quinta-feira, 11 de agosto de 2016

Consciência Cristã


A jornada de Abraão
Gênesis é o livro dos começos. O primeiro capítulo mostra o início do universo e da humanidade. No capítulo 7 vem o dilúvio e um recomeço com Noé. No capítulo 12, Deus começa a execução do plano de salvação para o homem.
Seu propósito era construir uma grande nação, um povo especial dentre o qual nasceria o Messias. Deus poderia, por um decreto seu, salvar a humanidade. Entretanto, ele decidiu usar homens nesse processo. O Senhor escolhe, chama, capacita e envia. Ele faz desse modo até hoje.
O CHAMADO
Assim, Deus escolheu Abraão e o chamou, dizendo: 
“Sai da tua terra, e da tua parentela, e da casa de teu pai, e vai para a terra que eu te mostrarei. De ti farei uma grande nação...” (Gn12.1).
A proposta divina não acompanha a lógica humana. Abraão e Sara estavam em idade avançada e não tinham filhos. Como poderiam gerar uma grande nação? Além disso, Sara era estéril. As condições e as evidências não eram favoráveis ao propósito de Deus. Aquelas não pareciam ser as pessoas mais indicadas para tão grandiosa missão. Deus faz assim. Muitas vezes, ele escolhe pessoas incapazes para que, no final da história, os méritos e a glória pelos resultados sejam só do Senhor (Rm 4.17; 1Co 1.28). Ele pode nos fazer ir muito além dos nossos limites pessoais.
DOIS ASPECTOS DA PALAVRA
A palavra de Deus a Abraão tem duas partes: ordem e promessa. Assim acontece conosco também. Não podemos abraçar um aspecto da palavra e desprezar o outro, visto que ambos estão interligados. Temos caixinhas de promessas, mas não de mandamentos. Queremos bênçãos, mas fugimos de responsabilidades e tarefas. Contudo, muitas promessas estão condicionadas à obediência às ordens. Se Abraão não obedecesse, não seria abençoado.
Nas relações de Deus com o homem, existem coisas que o homem deve fazer e outras que só Deus pode realizar. Portanto, não podemos ser negligentes e omissos, pensando que tudo depende do Senhor. Ele poderia resolver tudo sozinho, mas nos deu a honra de participarmos dos seus maravilhosos propósitos.
A ordem de Deus, em Gênesis 12, tem três elementos: sair da terra, da parentela e da casa do pai. A promessa tem sete elementos:
- De ti farei de ti uma grande nação;
- Abençoar-te-ei;
- Engrandecerei o teu nome;
- Tu serás uma bênção;
- Abençoarei os que te abençoarem;
- Amaldiçoarei os que te amaldiçoarem;
- Em ti serão benditas todas as famílias da terra.

A promessa é mais ampla do que a ordem. O que Deus nos dá é infinitamente maior do que aquilo que ele nos pede. 
FÉ E OBEDIÊNCIA
Abraão ouviu a palavra de Deus, creu e obedeceu. Em muitas situações, a palavra precisa da fé humana para produzir frutos (Hb 4.2). A fé de Abraão tornou-se padrão para todos os crentes que vieram depois dele (Gl 3.6-9). Entretanto, sem obediência, sua fé seria morta (Tg 2.20-22). Precisamos crer e agir.
Abraão tomou uma decisão e começou sua viagem em direção à terra prometida. O cumprimento da promessa está lá e não aqui. Isaque não nasceria na Mesopotâmia. Na vida cristã e também nas questões seculares, não podemos viver inertes, estagnados, esperando que tudo venha até nós. Por exemplo, quem precisa de um emprego, não pode ficar em casa dormindo o dia inteiro. Quem quer evangelizar, não deve ficar esperando que as pessoas venham suplicar pelo evangelho. É preciso caminhar, tomar iniciativa, sair do lugar.
Podemos comparar a jornada de Abraão a uma caminhada com Deus. A vida cristã é assim: saímos do império das trevas e caminhamos em direção à Jerusalém celestial.
Pelo texto de Gênesis, a saída de Abraão pode parecer algo muito simples. Entretanto, ele estava deixando uma cidade muito desenvolvida para os padrões da época. Ur dos caldeus estava localizada no território da Suméria (Iraque). Os sumérios desenvolveram técnicas de irrigação, inventaram o arado, tornaram-se grandes produtores agrícolas, grandes comerciantes, produzindo riqueza e desenvolvimento admirável. As evidências arqueológicas indicam que ali surgiu o primeiro alfabeto e a escrita.
Abraão morava numa boa cidade e ali estava bem estabelecido. Sair de Ur dos caldeus representaria renúncia ao seu conforto, aos negócios, aos amigos e a muitos familiares, a quem nunca mais tornaria a ver.
Atender ao chamado de Deus sempre envolve renúncia, perdas e entregas. Os ganhos serão muito maiores, porém não são imediatamente visíveis. Aquele que se converte pode se ver diante da necessidade de renunciar a algumas coisas, situações e compromissos incompatíveis com a sua nova vida. Aquele que é vocacionado para o ministério também pode precisar abrir mão de algo. Afinal, não podemos ter tudo e fazer todas as coisas ao mesmo tempo. Caminhar é, ao mesmo tempo, afastamento e aproximação. Toda escolha envolve uma renúncia.
Abraão saiu sem saber para onde ia (Hb 11.8). Uma viagem rumo ao desconhecido é um desafio. Queremos saber tudo? Queremos ter o controle da situação? Desejamos a compreensão exata de todos os detalhes da Palavra de Deus antes de obedecê-la? Eis porque muitos racionalistas se tornam desobedientes convictos. Não precisamos conhecer tudo, mas conhecer o Senhor o suficiente para obedecermos sem questionamentos. O filho conhece o pai e está seguro do seu vínculo com ele. O filho pode não compreender tudo, mas deve confiar e obedecer.
Na vida de Abraão, encontramos erros e acertos. Afinal, ele não era um super-homem. Era uma pessoa normal que cria em Deus. A Bíblia não esconde os equívocos de seus heróis. Nem os líderes são perfeitos, mas cada um deve cuidar para não ser “imperfeito demais”, sob pena de se tornar desqualificado. Erros acontecem, mas precisamos fazer de tudo para evitá-los, pois alguns são irreparáveis e as conseqüências podem ser devastadoras. Vejamos alguns deslizes de Abraão:
A COMITIVA
Deus mandou que ele saísse da sua terra, do meio de sua parentela e da casa do seu pai. Abraão saiu levando o pai e o sobrinho Ló. Muitos querem andar com Deus, mas levam uma bagagem indevida. Levam práticas da velha vida. A primeira conseqüência é o atraso na caminhada. Abraão saiu de Ur dos Caldeus com destino a Canaã, mas parou numa cidade chamada Harã, e ali ficou morando até que o pai morresse. Só depois pôde continuar sua trajetória (At 7.4).
O fato de ter levado o sobrinho teve efeitos trágicos. Primeiro, foi a contenda entre os pastores de Abraão e Ló, de modo que tiveram que separar-se (Gn 13.7). Quando o sobrinho se vai, Deus fala novamente com Abraão (Gn 13.14). Depois, Ló foi viver em Sodoma, colocando a família para morar no meio da podridão pecaminosa (Gn 13.12). Em seguida, ocorreu uma guerra na região, Ló se tornou prisioneiro, e Abraão precisou intervir para livrá-lo (Gn 14). Deus destrói Sodoma e Gomorra, Ló precisa sair às pressas, deixando toda a sua riqueza (Gn 19). Talvez por isso, sua mulher tenha olhado para trás, tornando-se uma estátua de sal (Gn 19.26). Por último, as filhas de Ló têm relacionamento sexual com ele e geram dois filhos, dos quais surgiriam duas nações malditas: Amom e Moabe, inimigos de Israel (Gn 19.36-38).
VISITANDO O EGITO
Outro erro de Abraão foi descer ao Egito sem a orientação de Deus (Gn 12.10). Ele já estava morando em Canaã, mas, por causa da fome, foi à nação vizinha. Embora fosse a potência mundial na ocasião, aquela não era a terra prometida. Abraão saiu do caminho determinado por Deus, como fazem aqueles que se desviam, indo buscar no mundo o suprimento de alguma necessidade ou desejo. Desse modo, caem em armadilhas e no laço do passarinheiro.
As conseqüências foram terríveis. Abraão ocultou o fato de Sara ser sua esposa, e Faraó mandou buscá-la para o seu harém. Vemos como é importante que o casamento seja de conhecimento público. (Nada de esquecer a aliança em casa!).
O texto não diz que Faraó tenha chegado a possuí-la, mas é possível que isto tenha acontecido, pois não seria sem razão que o rei daria a Abraão bois, ovelhas, jumentos, camelos, servos e servas (Gn 12.16). O patriarca aumentou muito o seu patrimônio, mas nada disso seria suficiente para compensar tamanha desonra.
Deus enviou pragas sobre a casa de Faraó, de tal modo que ele desconfiou que alguma coisa estava muito errada. O rei tinha uma sensibilidade que hoje falta a muitas pessoas. Ele logo reconheceu o erro e mandou Sara embora, juntamente com Abraão. Atualmente, muitos artifícios e desculpas têm sido utilizados para perpetuar relacionamentos ilícitos. O pecado atrai a ira de Deus.
Passadas essas coisas, Abraão voltou a Canaã, de onde nunca deveria ter saído. 

O NASCIMENTO DE ISMAEL
Parece que um dos presentes que Faraó deu a Abraão foi a serva Agar. Fato é que ela era egípcia. Deus havia prometido um filho a Abraão. Sara, sendo estéril, sugeriu que ele tivesse o filho com a escrava. E assim foi feito. O jugo desigual se estabeleceu e Ismael nasceu. Aquele foi um dos piores erros de Abraão. Ismael é a iniciativa humana no sentido de ajudar Deus, como se isso fosse necessário. Quando se trata de promessa, não há o que possamos fazer. Devemos apenas esperar. Abraão tomou a iniciativa e cometeu um grande equívoco.
Como conseqüência, podemos citar a expulsão de Agar e Ismael da casa de Abraão (Gn 21.14), a questão da herança entre Isaque e Ismael (Gn 21.10), e a discórdia entre os seus descendentes até o dia de hoje. Ismael era o primogênito, mas Isaque recebeu as honras e os bens (Gn 25.5).
A ida ao Egito trouxe mais problemas do que se poderia imaginar. Quem vai ao Egito traz lembranças de Faraó. Aquele que vai ao mundo satisfazer seus desejos, pode trazer marcas indesejáveis e indeléveis para toda a vida, prejudicando os filhos e toda a família.
Por quê Ismael não poderia ser o início da grande nação prometida por Deus? Porque ele era resultado da capacidade humana e não fruto do milagre. Deus escolheu, não apenas Abraão, mas também Sara. Deus escolheu, não apenas um homem, mas uma família. Se o Senhor puder usar um homem, ele usará, mas se a família estiver nas mãos de Deus, será ainda melhor. O filho da promessa nasceria de Sara, e não de uma mulher qualquer.
TEMPO DE DEUS 
Quando Abraão saiu de Harã, tinha 75 anos (Gn 12.4). Depois de 10 anos morando em Canaã, o filho prometido ainda não tinha vindo (Gn 16.3). As providências humanas foram tomadas e nasceu Ismael. Outros 15 anos se passaram antes que nascesse Isaque (Gn 21.5). Entre a promessa e o cumprimento houve uma distância de 25 anos. A passagem do tempo torna-se o teste da fé. A paciência e a esperança são irmãs gêmeas.
Não adianta marcar prazos para Deus, 'determinando' que as coisas aconteçam hoje, aqui e agora. Ele é o Senhor da história, principalmente daqueles que atenderam o seu chamado e se colocaram a seu serviço. Enquanto esperamos o suprimento divino, chegam as propostas malignas (Gn 16.2; Mt 4.3). O prato de lentilhas está servido, mas o preço é muito alto. É melhor esperar o que vem do Senhor, confiando na sua fidelidade. Enquanto esperamos, amadurecemos e somos preparados para o desempenho da missão.
Chegado o tempo de Deus, nasceu o filho da promessa. A palavra do Senhor não falha. De Isaque veio Jacó. De Jacó vieram os patriarcas das doze tribos de Israel. Daquela nação veio o Messias para que a bênção de Deus pudesse alcançar todas as famílias da terra (Gn 12.3).
CORRIGINDO A ROTA
Lendo a história de Abraão, observamos que, de tempos em tempos, Deus falava com ele (Gn 12.1,7; 13.14; 15.1,13; 17.1; 18.1; 21.12; 22.1). Tendo saído sem saber para onde ia, Abraão dependia de novas orientações. Precisava, portanto, manter o contato celestial. Por isso, construía altares e invocava o nome do Senhor (Gn.12.8; 13.4,18; 21.33). Abraão dependia de Deus. Cada vez que Deus falava com ele, o patriarca avançava um pouco mais em seu caminho, enfrentava um novo desafio, uma nova experiência.
A Palavra do Senhor vinha ao patriarca para lhe trazer conforto, ânimo, para lembrar-lhe da promessa e, sobretudo, para lhe dar direção. Abraão percorreu a terra santa, como que demarcando o seu território (Gn 13.17; 21.34).
Assim também, na nossa caminhada, Deus fala conosco de várias maneiras. Mesmo quando somos corrigidos, sua Palavra demonstra que o Senhor não desistiu de cada um de nós.
Abraão cometeu alguns erros, mas sua marca na história foi a fé e a obediência, porque ele soube ouvir a palavra de Deus e corrigir a sua rota.
Abraão foi ao Egito, mas voltou a Canaã. Morar no Egito é pior do que permanecer em Ur dos Caldeus. O último estado pode ser pior que o primeiro. Entretanto, Abraão não permaneceu nos domínios de Faraó. Retornou à terra prometida e todo o propósito de Deus para a sua vida foi realizado.
Nós também precisamos estar atentos ao que Deus mostra e fala. É tempo de consertar e retornar ao caminho para que Deus cumpra em nós a sua vontade que é boa, perfeita e agradável.
(Anísio Renato de Andrade)

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